domingo, 11 de abril de 2010

sexta-feira, 24 de abril de 2009

(2009/12) "A Persistência da Memória" - de Carl Sagan

1. Quer pensar um pouco a respeito das potencialidades do cérebro humano, da memória, e concluir pela faculdade de auto-determinação da vida humana? É, simlesmente, maravilhoso!




OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sábado, 11 de abril de 2009

(2009/11) Quase-fichamento de "Para Sair do Século XX", de Edgar Morin - informação e ideologia

1. "É indispensável uma estratégia de conhecimento" (p. 29).

2. "Assim, vemos que há diferença intrínseca, ao nível da representação, entre alucinação e percepção, mas a diferença é capital quanto ao sentido de ambas, e principalmente quanto a seu sentido de realidade ou de verdade" (p. 28).

3. "Precisamos mobilizar o espírito para controlar nossos olhos, precisamos mobilizar nossos olhos para controlar nosso espírito" (p. 31).

4. "Não existe teste prévio para reconhecer a boa e a má informação, a verídica e a falsa. Saber ler, ver, discernir, requer um difícil e aleatório esforço de decifração, não uma qualidade de verificação como a dos aparelhos que detectam o dinheiro falso" (p. 41).

5. "O que diz respeito ao já sabido, conhecido, garantido, é, segundo o termo da teoria da informação de Shannon, redundância. Um fato portador de informação é um fato que, ou põe um termo em dúvida, ou traz algo novo, isto é, uma surpresa" (p. 41).

6. "Quando não temos estrutura mental ou ideológica capaz de assimilar, situar a informação, esta torna-se ruído" (p. 43).

7. "Somos capazes de resistir às informações que não se adaptam à nossa ideologia, percebendo essas informações não com o informações, mas como trapaças ou mentiras" (p. 43 - em, itálico, no texto).

8. "Eu quase poderia formular esta lei psicossocial: uma convicção bem arraigada destrói a informação que a desmente" (p. 44).

9. "Seria necessário um livro inteiro para mostrar como se chega a não ver e a não saber. Com efeito, o que age em nós, ao mesmo tempo obscura e extralucidamente, é a vontade de impedir que a informação atinja a ideologia. Então, ela desvia a informação, isto é, desvia-se dela. A ideologia provoca a explosão da informação ('besteira! mentira! calúnia" [eu acrescentaria: heresia!]) para que a informação não a faça explodir" (p. 44-45).

10. "O que é uma ideologia do ponto de vista informacional? É um sistema de idéias feito para controlar, acolher, rejeitar a informação. Se a ideologia é teoria, ela é, em princípio, aberta à informação que não é conforme a ela, que a pode questionar. Se é doutrina, ela é, em princípio, fechada a toda informação não-conforme. A ideologia política é muito mais doutrina do que teoria. Neste ponto, chegamos ao problema capital: a relação repulsiva e potencialmente desintegradora entre informação e ideologia política. É pelo fato de que a informação é um explosivo virtual para a ideologia, que esta necessita manter uma relação opressora e repressora em relação à informação" (p. 45).

Edgar MORIN, Para Sair do Século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

(2008/10) Que gente é essa?

1. Que me olha dos trens, de um lado e de outro, das janelas e das portas dessa correição de ferro. Que tem a face triste do cansaço de um dia atrás do outro. Que tem seus mistérios por debaixo da pele. Da roupa. Que carrega seus pedaços de passado em cada ruga. Que foi deixando pedaços de si - nem viu - à medida que foi simplesmente seguindo a viagem. Que gente é essa?

2. Essa gente sabe o que é?, quem é? Essa gente sabe que se faz a si mesma, dia e noite, um sol que quanto mais se consome, mais é, mais está, mais promete? Uma árvore a crescer, em algum pedaço de seu percurso rumo à luz - se não lhe pisam, não lhe comem, não lhe queimam, não lhe cortam? Essa gente sabe que é um rio - o único (mas como, se ontem era como todos os outros?) que pode subir leito acima, parar, transbordar, alagar, alagar-se, rio sem curso, sem foz, sem leito - só rio e mais nada? Que gente é essa?

3. Os automóveis são como as igrejas - afastam-nos do mundo. Nós, automobilistas, nos tornamos passarinhos a voar, sem esbarrarmo-nos com os seres na terra, das pedras, do limo, dos cantos, dos becos. O nosso ambiente, trancados sempre, é o ar, volátil, asséptico, limpo, livre, nosso. Os trens - não! Os trens são ambientes de nudez: faces nuas, rugas nuas, mãos nuas, olhos que mais nus não há. O trem nos traz de volta à vida. Pelo toque irrefreável de um no outro.

4. E, contudo, esfrega na nossa cara uma verdade desconcertante - a de que essa massa de gente sequer sabe de si: não lhe contaram, não procurou saber, nunca soube, porque ocupada demais entre coisas infinitamente mais urgentes e banalidades desprezíveis ou criminosas. Porque ali, no trem, estamos diante das possibilidades plásticas da vida, seus ensaios - gente boa, gente má, gente forte, gente fraca, gente sã, gente doente, criança, jovem, adulto, velho, no singular, no plural, no masculino, no feminino, nos ensaios de gênero.

5. É paradoxal - essa gente pode ser tudo o que quiser. Mas, na prática, é-se o que se pode ser, o que a vida permite, o que os outros deixam, o que as oportunidades determinam. O trem não é o crupiê, ele já é uma das fichas, um número não escolhido da roleta, a sorte que cabe a tantos.

6. Mas que gente é essa? Projeto abortado? Potência frustrada? Malogro de megalomania DNÁdica? Desperdício da orgia de sexo que impera no nível ecológico da Terra? Dispensabilidades na contabilidade do Destino? Teimosia de coisa que não vingou, mas não morre? Não é isto que a profundidade da filosofia do Homo sapien nos diria, agora, vendo esse trem à direita, e esse outro, à esquerda, enquanto vamos caminhando, mônadas filosóficas a questionar o Inquestionável? Essa gente, aí, essa cara que me olha, que me arrosta, é aquela mesma de Pascal, que "sabe" que o Universo a esmaga? Ou não é mais do que carne vivendo, empurrada por células cujo único desejo é o trabalho e a fadiga?

7. Essa gente é uma pedra. Está aí. Nem sabe, contudo, que eu, agora, olho para ela com olhos de outros mundos, porque ela, essa massa que aí me encara, vive em outra esfera - e ainda deverá o sol cruzar o céu muitas vezes, antes que ela mesma, como eu, possa olhar para si mesma com olhos de olhar para si mesmo. Por hora, ela está ocupada demais com pão, para cuidar de estrelas. Por ora, naõ sabe, mas aguarda alguma coisa entre o parto e o aborto. E, contudo, ela é isso - essa gente, que, todavia, é.


OSVALDO LUIZ RIBEIRO

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

(2008/9) Símbolo em Croatto - Fenomenologia da Religião ou Teologia?

1. Conceito relevante para a Fenomenologia da Religião, o símbolo consitui um tema delicado. Tenho dúvidas quanto à procedência da definição com que Croatto trabalha em sua Introdução á Fenomenologia da Religião.

2. Croatto se aproxima do conceito de símbolo, ladeando-o por meio de uma aproximação aos conceitos de metáfora, alegoria e signo. Bem, metáfora é uma "comparação forte" - em lugar de eu dizer "esse homem é bravo como um leão", eu digo, mais diretamente, "esse homem é um leão". A alegoria, por sua vez, consiste num dizer novo como se sustentado por uma base escriturística antiga - não é por outra razão que está relacionada, na origem, à interpretação "folosófica" da tradição grega, tendo por "critério" o risco a que se submeteu a crítica filosófica de Sócrates, bem como sua condenação à morte. Trata-se, pois, de dizer coisas novas, como se fossem aquelas antigas - para as fazer, a essas coisas novas, críveis àqueles que crêem nas coisas velhas. Já o signo, por sua vez, consiste numa presentificação da idéia evocada - uma logomarca, por exemplo, ou o desenho de um chapéu na porta do banheiro de uma repartição.

3. O que há de comum entre metáfora, alegoria e signo é que tanto quem usa, quanto para quem se usa, conhecem a coisa simbolizada e a figura ou a idéia simbolizante. Se eu digo "esse homem é um leão", e não sei nem o que é homem nem o que é leão, então não disse nada. O mesmo vale para a alegoria e, ainda mais, para o signo.

4. Ora, Croatto quer-me fazer crer, que, contudo, o símbolo, diferentemente da metáfora, da alegoria e do signo, remete-se ao "desconhecido". Que ele mesmo o diga: "o símbolo diferencia-se do signo, tanto quanto da metáfora e da alegoria, por 'remeter' a algo desconhecido'" (p. 98). Na seqüência - "no âmbito da experiência religiosa, o não-conhecido em si, como é o Mistério, é captado, experimentado, intuído, no claro-escuro do símbolo". E, ainda, "o símbolo, profano ou religioso, supõe vivências conscientes e autoconhecimento" (p. 99).

5. Já o disse uma vez - quando a Teologia investe "sobre" o símbolo, não poucas vezes acaba por instrumentalizar o conceito - resultado, perde-se a Teologia, perde-se o símbolo. Veja-se o caso clássico de Paul Tillich. Em Dinâmica da Fé, ele afirmou que "Deus é símbolo para Deus". Aí, vejo duas inconsistências - uma própria de Tillich, e outra em relação ao símbolo como remissão ao "desconhecido". Na fórmula de Tillich, o sujeito teológico sumiu. A fórmula sustenta-se, apenas, por meio da "Divindade" e do "Símbolo". Mas nada se fala do sujeito religioso que intui o que, para ele, sujeito religioso, é a "Divindade", e que, também ele, criou, inventou, imaginou, o "símbolo" para aquela "Divindade". "Deus" (na fórmula, o segundo termo) é tão concreto e conhecido, para Tillich, que ele mesmo, teólogo, pode desaparecer, ao dizê-lo. Está-se aí, diante do Ser, Ser esse que se põe, que é sozinho e por si só - pura proposição teológica! -, ao passo que o crente, sujeito teológico, converteru-se em contingência desprezível e dispensável. Tillich, aí, é o contra-Feuerbach, o anti-Feuerbach, para quem Teologia é Antropologia. Para Tillich, esse, da fórmula, a Teologia dispensa a Antropologia.

6. Ora, e como Croatto pode afirmar, então, que o símbolo remete ao desconhecido? Se há algo desconhecido, sequer pensar nele é possível, quanto mais simbolizá-lo - nem mesmo é sabido se há algo desconhecido. O que Croatto chama de desconhecido, na verdade traduz a consciência teológica da existência do "Divino", que, nos termos da crença teológica, é de tal ordem - o Totalmente Outro - que, malgrado se revele (instrumentalização teológica da FR!), mantém-se ocultado (escrúpulos de conciência da teologia crente). Não há nada de fundamentalmente desconhecido, aí - pelo contrário: sabe-se, conhece-se a "Divindade", conquanto, com esse "conhecimento", co-surja a "revelação" de que ela, a "Divindade" é incomensuravelmente Maior e Além do que o "símbolo" pode dizer.

7. Eu diria que, aí, nesse arrazoado de Croatto, abandonou-se a Fenomenologia da Religião. Quem fala aí nem é - mais - Croatto: é a Teologia, Idéia encarnada, que, sem que disso se dê conta o sujeito teológico, é por ela arrastado na defesa dela. Não é boa essa FR. Conseqüentemente, para mim, não é boa, tampouco essa Teologia. A má FR nunca será tampouco boa Teologia. A má FR é o que é - má consciencia científico-humanista.

8. Se o sujeito religioso aplica símbolos a uma grandeza dada, é porque ele sabe que símbolo usar, que símbolo é adequado. Ele "sabe", ele "conhece", ele "vê" - ele até "ensina", "reproduz". Conquanto, naturalmente, não haja nada aí para ser "sabido", "conhecido" e "visto" que não a própria interpretação desse sujeito. Como o sabe Croatto - "o lugar da hierofania é, na realidade, o próprio ser humano" (p. 60). O símbolo é o laço do passarinheiro, com o qual o sujeito teológico captura sua presa. Presa sua e sua criatura.

Osvaldo Luiz Ribeiro
(Para as citações, cf. José Severino CROATTO, As Linguagens da Experiência Religiosa - uma introdução à Fenomenologi da Religião. São Paulo: Paulinas, 2001).

domingo, 14 de setembro de 2008

(2008/9) Dawkins e eu cremos igual


1. Não quanto ao ateísmo. Esse tipo de fé - ateísmo, teísmo - não posso mais sustentar. As metanarrativas religiosas, para mim, posso assumi-las, apenas, na consciência nua e crua do mito, e mito conforme o entendemos a partir das Ciências Humanas: nem "mentira" nem "verdade", tão somente "instrumento". No quesito mito teológico, padeço cada vez mais de um solipsismo noológico, e vou-me dando conta de que só o poderei manejar, doravante, no nível da conciência, por meio do regime do tipo "amigo imaginário". Assim, Dawkins e eu não dialogamos bem no campo teológico - ainda que eu aceitaria parte de seu ferramental, até o limite da indemonstrabilidade de ambos partidos.

2. O que comungo com Dawkins é a crença no "real" - e, nesse caso, com todos quanto, conosco, comunguem com essa . Permito-me citá-lo: "na vida real, nenhuma dessas decisões é arbitrária. Nenhuma delas é, de fato, uma decisão e nenhum maquinário computacional é usado para que sejam tomadas. Elas apenas acontecem, naturalmente e sem alardes. A carne de inseto é simplesmente convertida em carne de filhotes de aranha e o fator de conversão de valores simplesmente é. Se resolvermos calculá-lo posteriormente, o problema é nosso. A conversão acontece automaticamente, a despeito de alguém registrá-lo em termos matemático-econômicos ou não" (Richard DAWKINS, A Escalada do Monte Improvável - uma defesa da teoria da evolução. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 78-79).

3. Eu me sinto em casa, lendo isso. Eu me sinto cada vez mais um pedaço desse Planeta, dessa História (Prigogine, Paty, Morin). Um dia fora enfeitiçado por Platão e Descartes, e cheguei a crer que algo dentro de mim não era desse Mundo. Nietzsche e Morin me permitiram ver que mesmo essa parcela noológica da minha existência - meu pensamento e tudo quanto decorre dele: sonhos, medos, mitos, emerge do consumo dos elementos da Matéria. Logo, sou filho, a ameba, o leão e eu, dessa Terra.

4. Gosto disso. É-me libertadora essa condição. Por isso, acredito, hoje, na História e nas Ciências. Também por isso, desgosto da Teologia que aí está - e nem tanto pelo fato de ela ser má, em grande parte, porque também a Ciência o sabe ser. Não é por uma questão ético-política que me tornei filho da História e das Ciências, mas por uma questão heurística, existencial, hierofânica - uma "revelação", se quiserem. A Teologia, bem como as tendências "hermenêuticas" de estilo gadameriano-vattimoniano-rortyano, têm "nojo" do "real", e, quando dizem gostar dele, é apenas um gostar dele nos termos em que seu mito ontológico-metafício-hermenêutico o desenha.

5. A Teologia e essa que se diz Hermenêutica não são compatíveis. Não são compatíveis com nenhuma das Ciências "duras", e forçam a passagem para dizerem-se compatíveis com as Ciências "moles". Quando o conseguem, quero dizer, parecer compatíveis com as Ciências Humanas? A meu ver, apenas quando também essas "Ciências Humanas" pretendem-se suficientes, ainda que em evidente contradição com a Heuríustica. Quando as Ciências Humanas e as Ciências da Natureza dialogam - o que nos leva às Ciências Cognitivas! -, Teologia e "essa" Hermenêutica-Programa-Cosmovisão perdem todas as suas bases heurísticas, e revelam-se no que são - fé descolada e incompatível. Fé alguma vez escamoteada, outras, bravamente assumida.

6. Teólogo - ai - que sou, só me resta refletir a respeito de uma Teologia que seja - verdadeiramente - Ciência Humana. Não - ela ainda não existe. Ensaia vôos aqui e ali, ao lado da Exegese histórico-crítico-social, mas os resultados ainda são instrumentalizados para as metanarrativas religiosas de fundo, como no caso de um Hans Küng entre Teologia a Caminho e Por que ainda ser cristão hoje? Fora dessa crise, a Teologia científica ainda não sentiu as dores de parto. Imagino que não haverá parto natural aí. Se ela vier a nascer, será por meio de um cesariana. Imagino que algo como a Revolução Francesa acabará ocorrendo. Essa Revolução, burguesa, eu sei, foi a condição histórico-material para que Iluminismo, Empirismo e Romantismo pudessem construir uma nova Civilização. Não fosse ela - didaticamente falando - não teriam passado de curiosidade de gabinetes.

7. Nasci numa encruzilhada, na fenda entre duas colossais placas tectônicas. Irreconciliáveis, são elas. A política tenderá a julgar-me radical, como se pudesse haver acordo quanto à distância entre a Terra e a Lua - a "verdade" científico-humanista não é uma questão democrática, nem se faz por meio de escrutínios. Se há algo democrático nas ciências é a condição igual de todos os homens e de todas as mulheres serem aptas à empresa (elas não são sacerdotais nem clericais - conquanto, na prática, a política universitária crie ordens e paróquias!). Mas a "verdade" científica, essa independe da maioria (e da minoria), ainda que a maioria possa postergar indefinidamente - definitivamente? - uma "verdade".

8. Nesse momento, o "real" funciona, independentemente de mim. Ele estava aí, antes de mim, e aí permanecerá, depois que eu me for - aliás, quando eu voltar para ele, fundir-me com seus vaga-lumes quânticos. Nesse momento, células minhas trabalham, sem saber, "para mim". Mesmo eu funciono independentemente de mim. Meu "eu" são-me muitos. Mas Eu sou só uma pequena, ínfima, infinitesimal parcela de meu próprio mundo-eu. E, contudo, sou mesmo um só.

Osvaldo Luiz Ribeiro

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

(2008/7) Croatto - Teologia 1 x 0 Fenomenologia da Religião


1. Uma das disciplinas que leciono - uma das que mais gosto, porque foi, de longe, a mais importante em minha formação acadêmica (e, por que não confessar: também, para a compreensão racional de minha existencialidade mística) - é a Fenomenologia da Religião (FR). Passei horas e horas lendo Eliade. Em classe, tenho usado Croatto.

2. O livro de que me utilizado é As Linguagens da Experiência Religiosa - uma intodução à Fenomenologia da Religião. Tem méritos - caso contrário, não o utilizaria. Mas há momentos em que o livro deixa de constituir-se sob o regime da FR - a Teologia, sub-repticiamente, toma as rédeas.

3. Um momento de - a meu ver - formidável acerto fenomenológico-religioso de Croatto é quando ele afirma que "o lugar da hierofania é, na realidade, o próprio ser humano" (p. 60). Perfeito! Essa afirmação remete àquela outra de Mircea Eliade: "o 'sagrado' é um elemento da estrutura da consciência'" (Origens).

4. Uma página antes, contudo, Croatto resvala para a Teologia. Uma boa Teologia, uma má FR. "Na hierofania, pode-se diferenciar três elementos: uma criatura (por exemplo, uma árvore), a Realidade invisível e aquela mesma criatura que, por ser mediadora, reveste-se de sacralidade" (p. 59).

5. Trata-se de uma péssima FR. Primeiro, porque Croatto fez desaparecer o "sujeito", o mesmo que, na página seguinte, ele afirmará ser o topos da hierofania. Mas, aqui, quando quem fala, sub-=repticiamente, é o "teólogo" Croatto, o sujeito sumiu. Sumiu aqui como sumniu na fórmula teológica de Tillich: "Deus é símbolo para Deus" - o que Tillich esconde é o sujeito que, ao mesmo tempo, "cria" os dois.

6. Trata-se de uma péssima FR, porque Croatto aponta para "a Realidade invisível". Ora, isso a que Croatto se refere como "a Realidade invisível" não constitui uma objetividade, mas o resultado interpretativo e criativo da "experiência do sagrado" - experiência de consciência, sem conteúdo, que exige do "hierofante" a "invenção" da narrativa que dê conta da "experiência". O sujeito religioso - que Croatto fez sumir - contaria, em seu relato sobre sua experiência, que ele viu alguma coisa que, vindo de algum lugar, apareceu na árvore, e depois sumiu, e ficou só a árvore, agora, sagrada". É o sujeito religioso, apenas, que "vê" o que ele traduzirá, a seu modo e cultura, por meio do símbolo que lhe melhor parecer adequado. Mas a FR não vê nada.

7. Trata-se de uma péssima FR, porque Croatto é capaz de falar de uma árvore mediadora - sua faculdade de ser medium e que a torna sagrada. Mas "mediadora" para quem, se Croatto fez sair da cena hierofânica o seu único fundamento - o sujeito?

8. Para salvar o parágrafo, Croatto deveria ter dito que falaria a partir da perspectiva do sujeito, não da FR. Mas, como abduziu o pobre hierofante e lhe roubou a própria experiência, só resta-me admitir que Croatto pensa falar fenomenologicamente - mas, então, equivocadamente fenomenologicamente.

9. Para falar de forma adequadamente fenomenologicamente, Croatto deveria dizer que há dois elementos na hierofania: o sujeito e o objeto. O mais é interpretação e criatividade incontornáveis do sujeito. E é o que ele dirá mais adiante: "cada mediação revela (má palavra!) uma modalidade do sagrado e uma situação particular do ser humano com respeito a ele" (p. 71). Aí estão os dois únicos elementos da hierofania com que a FR pode - o sujeito e a mediação. Se substituirmos o verbo "revela", teologicamente suspeito, por "permite a interpretação de" (é a consciência do sujeito que "manifesta" o sagrado, é o sujeito que o interpreta), resultaria muito boa essa síntese programática - e "revelaria" que, na p. 59, Croatto permitira-se o descuido do ri9gor terminológico, do foco epistemológico, posto que, lá, fala como teólogo, posição em que se encontra tão à vontade que não se deu conta, nem na revisão do livro, de que, ali, pecava contra a FR.

10. Por isso, recomendo, ainda a obra, mas com a seguinte ressalva grave: todo o Capítulo II - A Experiência Religiosa: descrição e implicações (p. 41-79) deve ser lido muito criticamente, com severas correções em vários pontos. Hoje, durante a aula, um aluno chegou a perguntar por que cargas d'água, então, eu recomendara um livro que, a todo tempo, eu corrigia. Respondi que o livro, como um todo, tem vantagens - seus capítulos sobre o simbolo, o rito e a doutrina são muito bons, e, particularmente, o sobre o mito, é extraordinariamente bom. De mais a mais, não se lê um livro para enfiar na cabeça cada sentança sua. Lê-se criticamente. Esse Croatto, também.

Osvaldo Luiz Ribeiro